12/07/2025
A legislação de Santa Catarina sobre cães da raça Pit Bull e seus cruzamentos tem sido um tema de crescente debate, especialmente após a recente regulamentação. O objetivo principal é a segurança pública, mas as implicações para tutores e animais são significativas.
Sancionada em 26 de novembro de 2007, a Lei nº 14.204 já estabelecia diretrizes para a importação, comercialização, criação e posse de cães considerados "violentos" em Santa Catarina. Contudo, por falta de regulamentação específica, sua aplicação era frequentemente desafiadora, gerando interpretações variadas e pouca efetividade prática.
Em 9 de julho de 2025, o Governo de Santa Catarina, sob a gestão de Jorginho Mello, assinou o Decreto nº 1.047/2025. Este decreto é o que realmente dá força à lei original, detalhando as proibições, obrigações e penalidades.
As principais determinações do Decreto incluem:
Proibição de Criação e Comercialização: Está agora expressamente proibida a criação e venda de cães da raça Pit Bull e de raças resultantes de seu cruzamento em todo o estado, seja por canis ou por indivíduos.
Esterilização Obrigatória: Todos os cães da raça Pit Bull ou dela derivados devem ser esterilizados (castrados) a partir dos 6 meses de idade.
Restrição de Circulação em Locais Públicos: É proibida a circulação e permanência desses cães em áreas públicas, especialmente onde há aglomeração de pessoas, como ruas, praças, parques e proximidades de escolas e hospitais.
Condições para Circulação Permitida: Quando a circulação for autorizada, o animal deve ser conduzido por pessoa maior de 18 anos, utilizando obrigatoriamente guia com enforcador e focinheira adequada para a raça.
Responsabilidade Legal: Os tutores ou condutores dos cães são os únicos responsáveis por quaisquer danos ou prejuízos causados pelos animais.
Penalidades por Descumprimento: O não cumprimento das normas acarreta multa de R$ 5.000,00, que dobra em caso de reincidência. Em situações de reincidência, abandono ou ataques a pessoas ou outros animais, pode ocorrer a apreensão do animal. Além disso, há a obrigação de indenizar ou compensar os danos causados.
Fiscalização: A fiscalização da lei é de responsabilidade dos municípios, que podem contar com o apoio da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC). No entanto, o transporte, guarda e tratamento dos animais apreendidos são encargos municipais.
Educação e Conscientização: A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e da Economia Verde (Semae) deve promover campanhas educativas sobre a importância da esterilização e o uso correto dos equipamentos de contenção.
A lei e o decreto não se aplicam apenas ao American Pit Bull Terrier, mas também a outras raças consideradas derivadas ou com características similares que se enquadram nas restrições, como:
Apesar do discurso e da motivação da regulamentação serem a segurança da população, algo totalmente compreensível dada a capacidade física de um Pit Bull em causar danos graves, a ALPA (Associação Lageana de Proteção aos Animais) levanta uma crítica fundamental: a relação entre a proibição da procriação e a obrigação de esterilização e a diminuição dos casos de maus-tratos.
Nossa experiência mostra que muitos dos incidentes envolvendo Pit Bulls estão diretamente ligados a tutores que adquirem esses animais com fins de procriação e venda. Para muitos, o Pit Bull é um símbolo de status e dominância, o que facilita sua comercialização, principalmente para a população de classes sociais mais baixas e médias.
O problema surge quando esses tutores não possuem as condições adequadas – financeiras, de espaço, psicológicas ou físicas – para lidar com a raça. A falta de preparo resulta em situações desumanas: animais submetidos a maus-tratos, negligência e até abandono.
Cães que não são devidamente socializados acabam desenvolvendo comportamentos de ataque, ferindo outros animais e pessoas na rua. Nesse contexto, a ALPA acredita que a proibição da procriação e a esterilização compulsória atacam a raiz do problema. Ao limitar a disponibilidade desses animais para fins meramente comerciais e especulativos, espera-se reduzir a aquisição irresponsável. Consequentemente, haverá uma diminuição dos casos de maus-tratos, abandono e, por extensão, dos ataques. Acreditamos que, mais do que focar apenas na raça, é crucial promover a posse responsável e a educação dos tutores.
A nova regulamentação, embora rigorosa, pode ser um passo importante para garantir a segurança da população e, ao mesmo tempo, proteger o bem-estar desses animais, combatendo a irresponsabilidade que leva a tantos problemas.
A realidade por trás da nova legislação em Santa Catarina é dolorosa para muitas organizações de proteção animal, como a COBEA (Centro de Bem-Estar Animal) de Lages. Atualmente, a COBEA abriga cerca de oito Pit Bulls que foram vítimas de maus-tratos, um testemunho vivo dos problemas que a nova lei busca combater.
Esses animais, resgatados de situações de negligência e violência, enfrentam um futuro incerto. O índice de adoção para Pit Bulls é notoriamente baixo, um problema que se agrava com a percepção pública sobre a raça e, agora, com as restrições impostas pela nova lei.
Há uma insegurança compreensível por parte das ONGs e protetores em doar esses animais, temendo que caiam novamente nas mãos de tutores irresponsáveis, perpetuando o ciclo de sofrimento.
A lei, ao proibir a procriação e exigir a esterilização, visa, em parte, reduzir o número de Pit Bulls nas ruas e, consequentemente, diminuir os casos de maus-tratos e abandono. No entanto, o desafio imediato para abrigos como a COBEA é imenso: como garantir um lar seguro e amoroso para os animais já resgatados, que carregam as cicatrizes da irresponsabilidade humana?
A solução para esses animais vai além da legislação; exige um compromisso coletivo com a posse responsável, a educação e a empatia. Somente assim poderemos assegurar que os Pit Bulls, muitas vezes vítimas de preconceito e negligência, encontrem a dignidade e o bem-estar que merecem.